sexta-feira, 5 de setembro de 2008

SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF E O USO DE ALGEMAS

Não é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal faz uso de súmula vinculante para regulamentar de forma genérica, determinado assunto que foi deixado de lado pelo legislador, em evidente omissão legislativa.
Certamente este procedimento cada vez mais usual por parte de nossa Suprema Corte tem maior relevância do que o próprio assunto do uso das algemas; vez que, tal prática evidentemente tem imensurável impacto sobre o Princípio Fundamental do Estado de Direito que é a Separação das Funções do Estado, a chamada Separação dos Poderes.
É certo também que nosso ordenamento jurídico veda o “non liquet”, ou seja, o juiz está sempre obrigado a dizer o direito não podendo alegar a inexistência de norma específica para o julgamento do caso em concreto, a lacuna ou anomia, devendo se utilizar das normas de hermenêutica para retirar do ordenamento jurídico a melhor forma de dirimir o conflito e trazer a paz social, finalidade e razão de existência do Direito.
É patente a omissão do Legislador Federal a respeito do uso de algemas, vez que, a matéria necessita de regulamentação desde a vigência da Lei de Execução Penal, Lei 7.210 de 11 de julho de 1984, que em seu artigo 199 reza que o emprego de algemas será disciplinado por Decreto Federal. Este decreto, à época meio formalmente hábil a regular a matéria, nunca foi editado e nenhuma lei específica foi promulgada para este determinado fim.
No Estado de São Paulo o uso de algemas é regulado pelo Decreto Estadual nº 19.903 de 30 de outubro de 1950, bem como, pela Resolução número 41 da Secretaria de Segurança Pública do Estado, que dentre outras providências exige a manutenção de um livro de registro de uso de algemas em cada Delegacia de Polícia como forma de controle de sua utilização pelas autoridades policiais superiores. Contudo, é evidente que esta norma somente pode ser aplicada no Estado de São Paulo, não tendo validade em âmbito nacional.
O Supremo em decisões anteriores utilizou-se da analogia e buscou no Código de Processo Penal Militar supedâneo para prolatar sua decisão. O CPP Militar traz em seu artigo 234 regra que limita o uso de algemas apenas quando for “...indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga...”. O diploma legal ainda traz em seu artigo 242, um rol de indivíduos em que será defeso o uso de algemas em razão das funções exercidas por estas pessoas, abarcando desde magistrados, a pessoas com nível superior, bombeiros, jurados, Ministros de Tribunais de Contas e até mesmo ministros de confissões religiosas; trazendo assim um fator discriminante de duvidosa constitucionalidade.
Assim, da análise conjunta das normas que tratam sobre o assunto fica claro que o uso de algemas consiste em verdadeira EXCEÇÃO, e somente pode se dar quando presentes ao menos dois requisitos: NECESSIDADE E RAZOABILIDADE.
O uso de algemas somente pode se dar quando for patente a necessidade da medida, por motivo de segurança dos próprios agentes policiais, da comunidade ou do próprio preso, ou ainda, para evitar a fuga do conduzido, o que acarretaria a frustração da aplicação da justiça criminal. Contudo, mesmo sendo a medida necessária, deve ela ser pautada pelo princípio da Razoabilidade pois sempre haverá um verdadeiro conflito de princípios constitucionais. De um lado agirá o Estado com sua finalidade precípua de promover a Segurança Pública e do outro estará o indivíduo tutelado sob o manto de seus direitos fundamentais. A necessidade da medida não pode de maneira alguma ter o condão de suprimir direitos do indivíduo que a própria Lei Penal não suprime, em especial a Dignidade da Pessoa Humana.
A Lei Penal pode restringir a liberdade do indivíduo, mas não suprimir a sua Dignidade. Não é justificável tratar o indivíduo que está sob a tutela do Estado como um animal acorrentado, a fim de causar odiosa exposição pública tal qual fosse ele um prêmio obtido em uma caçada. A exposição e humilhação públicas não são finalidades do Direito Penal que tem como escopo suprimir a liberdade daquele que cometeu fato criminoso a fim de manter a paz social e retribuir de forma proporcional o mal praticado; o seu fim nunca será o escárnio público.
O uso deste importante instrumento que é a algema, não pode ser realizado com os evidentes os abusos que presenciamos diuturnamente através dos mais variados meios de comunicação.
A finalidade de algemar um indivíduo somente é a de evitar a violência, a resistência à prisão ou a tentativa de fuga e jamais como forma de arrogante exibicionismo. O Agente Público que desta forma age o faz em patente Abuso de Autoridade, previsto nos artigos 3º, “i” e 4º “b” da Lei 4.898/65 e assim, se confunde com a própria figura do criminoso algemado.
A regulação do uso de algemas pelo Supremo Tribunal Federal, apesar de não ser o modo mais correto de regular a matéria, encontra guarida na própria omissão legislativa e talvez seja o estopim para a necessária produção de uma Lei Específica. Contudo, os fins não justificam os meios, e não deve o Supremo agir como “legislador suplementar” trazendo para si competência que a própria Constituição Federal não lhe confiou.